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quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Judiciário tem bons juízes, mas faltam recursos e sobram ações


Da Redação - 08/12/2009 - 17h53


Juízes, promotores, advogados e operadores do direito em todo o país comemoram no dia 8 de dezembro o Dia da Justiça, celebrado desde 1940 e instituído oficialmente como feriado forense pela Lei 1.408/1951. Mas será que a população tem realmente motivos para festejar o sistema de Justiça que possui?



Especialistas ouvidos por Última Instância afirmam que a maior parte dos magistrados e demais profissionais responsáveis pela administração do Judiciário são honestos e competentes. As causas da lentidão estariam, na verdade, na escassez de recursos materiais e no excesso de processos.

Para Adilson Dallari, professor da Faculdade de Direito da PUC-SP, o país tem um Poder Judiciário isento, honesto e competente, mas a prestação jurisdicional está completamente aquém do que se espera. “A estrutura da Justiça está subdimensionada em relação às necessidades da população. Apesar do trabalho e da vontade dos juízes, a prestação jurisdicional é altamente insatisfatória”, diz.

Opinião semelhante tem o presidente da Anadep (Associação Nacional dos Defensores Públicos), André Castro. Para ele, o Judiciário caminha para a independência e acessibilidade da população mais carente, mas ainda falta muito para um cenário em que a Justiça está de portas totalmente abertas para atender toda a população.

“Os mais pobres são os que mais sofrem com o não cumprimento de seus direitos e que mais precisam do Judiciário e o serviço da Defensoria Pública está presente em apenas 42% das comarcas do Brasil”, afirma Castro.

O defensor diz ainda que em Goiás, Santa Catarina e Paraná não há o que comemorar. “Nesses Estados, que não têm Defensoria Pública, hoje deve ser um dia de protesto.”

Já o presidente nacional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Cezar Britto, afirma que o Poder Judiciário tem que priorizar o julgamento dos crimes de corrupção contra o Erário. “A Justiça deve se mostrar célere e eficaz no combate ao crime coletivo, especialmente à corrupção e crimes de colarinho branco. Enquanto eles estiverem impunes, a Justiça passará a sensação de que vale a pena ser corrupto no Brasil”, diz.

O peso do Estado

“A atuação do Poder Público invariavelmente leva o particular a recorrer ao Judiciário. Ele não tem saída”, enfatiza Adilson Dallari. Segundo o professor, é preciso restringir a capacidade recursal das partes, principalmente do Poder Público, que tem uma liberdade excessiva. “Temos um sistema recursal maluco, que só serve à protelação das demandas judiciais, especialmente por parte do Estado.”

O professor de direito constitucional da PUC-SP Pedro Estevam Serrano ressalta que a lentidão do Judiciário é um sintoma da falta de verbas e da excessiva demanda de processos causada pelo Estado.

“Por um lado, o Estado é o principal demandado, porque sua atuação incentiva o cidadão a recorrer à Justiça para buscar a proteção de seus direitos; por outro, não destina os recursos necessários para a informatização e a modernização do sistema de Justiça”,
diz Serrano.

As soluções para o Judiciário, assim, não estão no âmbito de decisões internas. “Estão no Legislativo, que deve garantir mais recursos para o financiamento do sistema, e no Executivo, que deve criar maneiras de solução de conflitos no âmbito administrativo que sejam mais benéficas ao cidadão”, esclarece o constitucionalista.

“Não haverá uma gestão eficiente da Justiça enquanto não forem solucionados esses dois problemas centrais: a falta de recursos e o excesso de demandas por parte do Estado”.

Obstáculos




O advogado Durval de Noronha Goyos define com precisão as preocupações que envolvem o Judiciário no Brasil: “o massacrante volume de casos, a complexidade da legislação processual, o baixo número relativo de magistrados, a cultura nacional do litígio, a litigância de má fé institucionalizada pelos agentes públicos e a pouca utilização de meios alternativos de resolução de disputas”.

A crise é tão grave que, de acordo com Noronha, impactou na magistratura, já aviltada pelo "excessivo corporativismo, adonismo estéril, militância legislativa, exacerbada arrogância e absoluta incapacidade de auto-crítica".




A Justiça não pode ser uma placa colocada na parede de uma repartição. Esse é o desafio colocado pelo advogado Ricardo Giuliani Neto. O professor de Teoria Geral do Direito afirma que a Justiça transformou-se em um show de números e de estatísticas. “O povo não quer saber de números, relatórios e quantidades, mas sim precisa de Justiça qualitativa”, diz.

Para Henrique Nelson Calandra, presidente da Apamagis (Associação Paulista de Magistrados), o principal obstáculo para a Justiça é a informatização, muitas vezes limitada por questões orçamentárias. “Entre sair do mundo do papel e ir para o mundo eletrônico existe um abismo”, diz.

O presidente da Ajufesp (Associação dos Juízes Federais de SP e MS), Ricardo de Castro Nascimento, lembra que é preciso definir melhor as regras do jogo em matéria de Processo Penal. Além disso, enfatiza que é difícil ser juiz quando o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) questiona a independência da magistratura. “O juiz não pode ter medo de decidir”, afirma.

O modo de decidir também é alvo de críticas. “O grande desafio é julgar mais e com melhor qualidade”, afirma o advogado criminalista Alberto Zacharias Toron. “Do que adianta o STJ (Superior Tribunal de Justiça) anunciar que alcançou a meta dos 300 mil julgamentos da maneira como são feitos? É preciso pensar na garantia do processo legal.”

Toron cita o ex-ministro do STJ Humberto Gomes de Barros: “a jurisprudência tem se apegado a formalidades para não julgar o mérito das coisas”, o que, segundo Toron, atrapalha o andamento dos processos.

Outro grande problema é a forma como os juízes encaram e trabalham com o direito. Essa é a visão de João Ibaixe Jr, advogado criminalista e ex-delegado de polícia. “Há uma cultura, provocada por uma determinada visão de mundo dissonante da realidade, que exige dos operadores do direito um tratamento da norma e dos conflitos preocupado somente com questões absolutamente formais”, diz.

Para ele, a lei é tratada como um ente que existe em si mesmo, sem ser vista em suas finalidades funcionais de solução de conflitos. “A realidade tem de ser observada como um todo complexo e a lei tem de ser vista como um mecanismo parcial desse todo que tem uma função de auxílio na busca de equlíbrio social”, diz

Segundo Ibaixe, mecanismos alternativos para resolução de questões jurídicas ainda não se não se instalaram com estabilidade e, assim, não têm força para substituírem as lides judiciais.

O advogado e ex-promotor José Marcelo Vigliar acredita que é preciso que pedidos idênticos sejam resolvidos de forma coletiva para que as pessoas tenham respostas uniformes em relação ao direito violado. “Além da celeridade e economia, decisões conflitantes para casos idênticos seriam evitadas. Isso resgataria a credibilidade da Justiça”, destaca.

Avanços

Os operadores do direito ainda destacam aspectos positivos e dizem que o Judiciário do país tem muito que comemorar. O presidente da OAB afirma que a modernização deve ser festejada.

“A Justiça tem começado a compreender que os seguidores que nela trabalham, inclusive os juízes, têm o dever de prestar contas ao público. O CNJ tem uma grande parcela nessa comemoração, que não é completa, pois a morosidade e a impunidade não foram ainda completamente combatidas”, diz.

Toron também destaca as ações do CNJ, que, segundo ele, representam a luz no caminho da Justiça, especialmente pela questão da introdução de novos métodos e programas de ação.

“Eu confio que o Judiciário deve melhorar, tem se esforçado para isso. Há mazelas também, claro, mas tem muito o que comemorar”, diz o advogado.




Jorge Massad, secretário-geral adjunto da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) e desembargador do Paraná, concorda que as diretrizes do CNJ estão corretas. “O órgão, relativamente novo, vem propondo planos que valorizam a eficiência e a conciliação”, comemora.

“O Judiciário está passando por uma revolução lenta, e não abrupta. A caixa preta está se abrindo. O Brasil está melhor como um todo, e naturalmente a Justiça acompanha a melhora”, enfatiza o presidente da Ajufesp. “Nós fizemos muito, andamos muito, e ainda temos muitos desafios”, complementa o chefe da Apamagis.

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